Fiquei sabendo da existência da Biblioteca Comunitária do Parque das Laranjeiras há pouco tempo, mas o espaço já está na cidade há mais de uma década. Começou no bairro Santo André II, na periferia de Sorocaba e, em 2012, com o despejo do bairro, mudou para o Parque das Laranjeiras, local em que permanece até hoje. Conta com um acervo de mais de quatro mil obras, incluindo livros, CDs, DVDs, discos de vinil, gibis etc., além de promover atividades culturais no bairro. A biblioteca, atualmente, está em um espaço alugado e se mantém com a ajuda de comerciantes e moradores do bairro, já que não recebe apoio governamental.

Livro & Café: Josué, nos fale um pouco sobre você e sobre como surgiu o projeto da biblioteca comunitária.
Josué de Lima: A nossa biblioteca já tem mais de uma década de atividades, nasceu no bairro Santo André II, na periferia de Sorocaba. Alguns jovens ligados ao rock e ao rap reuniram-se e resolveram lutar em prol dela, já que as bibliotecas das escolas e a municipal não funcionavam e até hoje não funcionam como deveriam.

Livro & Café: Atualmente, qual é o tamanho do acervo, obras mais consultadas e público-alvo? Quais os procedimentos para o cadastramento de usuários?
Josué de Lima: É uma iniciativa popular, livre e aberta de difusão da leitura e da literatura. Qualquer pessoa pode retirar um livro, deixando registrado apenas seu nome e alguma forma de contato e o compromisso de que o livro retirado será devolvido, porque uma biblioteca serve para isso: para que os livros sejam lidos e circulem por diferentes círculos. Se ele não volta não tem problema, vamos até a pessoa e levamos outro livro para realizar a substituição.
Livro & Café: Além do acesso ao acervo, quais outros projetos e eventos são desenvolvidos na biblioteca?
Josué de Lima: Podemos destacar o curso de fotojornalismo que já formou mais de 150 fotojornalistas. Também há reuniões dos clubes de futebol do bairro, ensaios musicais, aulas de violão, doações de alimentos orgânicos, a “Noite do Vinil”, lançamentos de livros e outros eventos.

Livro & Café: O editorial da revista versa sobre a linguagem e como ela pode nos unir ou nos separar. Como você vê o papel da leitura na sua vida e na vida das pessoas que frequentam o espaço? Que exemplos positivos você pode citar?
Josué de Lima: A literatura dá senso critico e isso dá oportunidade de escolher entre errar ou não. Cresci tendo como leitura cartilhas onde a linguagem não nos representava. Não me via representado ali e isso nos afastava da escola. Minha formação e de outros jovens se deu quando criamos a Biblioteca e assim passamos a ter contato com literatura que falava daquilo que vivíamos. Depois de mais de dez anos dando acesso aos livros, observamos muitas mudanças no comportamento e na formação de centenas de jovens que passaram pelo projeto. Almejamos mais Carolinas de Jesus e Ferrez na educação nacional. Por outro lado, as pessoas também precisam entrar no mundo de quem está do outro lado e procurar conhecer e entender as pessoas que estão em outra realidade. A linguagem precisa ser uma via de mão dupla, assim como a vida.

Josué de Lima: As bibliotecas não podem ser tratadas como foram até hoje em nossa cidade. Sempre existiu um apartheid entre as bibliotecas e o povo da periferia. Até hoje os governos criaram mecanismos para afastar as pessoas do mundo da literatura e da cultura. Nos núcleos mais próximos, que são as escolas, a burocracia impede a leitura; a biblioteca municipal fica longe e a tarifa de ônibus impede o acesso. A nossa biblioteca surgiu dessa necessidade e resiste levando educação e cultura. Vida longa às bibliotecas!
Livro & Café: Nos últimos tempos, muito se discutiu sobre a crise do mercado editorial. De um lado, temos a popularização dos e-books, além do fácil acesso ao download ilegal de livros. Do outro, o livro ainda é um produto caro e o acesso a bibliotecas públicas e livrarias também não é muito facilitado. O que você pensa sobre isso e como mudar esse cenário?
Josué de Lima: De fato, vem acontecendo uma mudança de hábito dos leitores que compravam revistas e hoje preferem ler na internet. A quebra de gigantes, como a falência do Grupo Abril, é o reflexo desta crise. O preço médio de um livro é de R$ 33,00 em um pais que o vale de trasporte beira R$6,00. As pessoas ainda compram livros, mas ainda não é um gênero de primeira necessidade. O Brasil precisa se reinventar na forma de vender o livro, pois a tendência é as livrarias acabarem, mas os livros nunca. O grande problema da educação é que os governos querem formar pessoas para apertar botão e não pensar.

Imagem de capa: Facebook/Laranjeiras – Biblioteca Comunitária
Fonte: Livros & Café