Texto por Kassia Nobre
A jornalista e pesquisadora Hérica Lene acaba de lançar o e-book “Jornais Centenários do Brasil” (Labcom-UB, 2020). A obra é resultado de uma pesquisa de pós-doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sobre os jornais brasileiros que atingiram ou ultrapassaram a marca temporal dos 100 anos.
O Portal IMPRENSA conversou com a pesquisadora sobre os desafios e as estratégias de sobrevivência dos jornais no atual contexto de crise do jornalismo e busca por novos modelos de negócio de produção da notícia.
Hérica realizou 17 entrevistas com dirigentes de jornais (diretores, editores ou chefes de redação). “Nos discursos dos dirigentes dos jornais centenários, a tradição é vista como patrimônio e fortalecimento das marcas e como um elemento importante que contribui, em algum nível, para a manutenção dos periódicos em circulação”, explica.

Hérica Lene – O livro “Jornais Centenários do Brasil” (Labcom-Ubi, 2020) é resultado da minha pesquisa do pós-doutorado em Comunicação e Cultura pela UFRJ, que fiz de 2017 a 2018, mas iniciei essa busca pela trajetória e situação dos jornais centenários bem antes, em 2014, em um projeto do grupo de pesquisa que coordeno na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), onde dou aula. Inclusive, obtive a aprovação de um edital de pesquisa do CNPq para desenvolver esse estudo.
Eu pesquiso na área de História da Imprensa desde que ingressei na vida acadêmica, após ter sido repórter dos jornais capixabas A Tribuna e A Gazeta e da Gazeta Mercantil (caderno regional Espírito Santo).
A crise dos jornais impressos é um tema importante de ser investigado e acompanhado. Muitos jornais tradicionais morreram, como o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, infelizmente. A própria Gazeta Mercantil, onde trabalhei há anos, foi um importante jornal que fechou com pouco mais de 80 anos de circulação. Então, eu queria saber como os jornais centenários estavam enfrentando a situação de convergência e que estratégias estão lançando mão para sobreviverem nesse contexto.
Ao iniciar a pesquisa sobre os jornais centenários, em 2014, eram 28 com mais de 100 anos que constavam na lista da Associação Nacional dos Jornais (ANJ). Até o primeiro semestre de 2019, além do emblemático Jornal do Commercio (RJ), também suspenderam suas atividades na imprensa de São Paulo: Diário de S.Paulo, A Mococa, o Diário do Povo e Comércio do Jahú.
Outro historicamente muito importante para a imprensa brasileira – o Jornal do Brasil – migrou para o on-line em 2010, mas voltou a circular impresso em 2018 no Rio de Janeiro. Foi o único que deixou o corpo “papel” para o digital, mas voltou ao suporte anterior. Conseguiu circular impresso apenas por um ano, até março de 2019, e retomou a ser apenas on-line.
Outros três deixaram de circular impresso e migraram definitivamente para o on-line: O Mossoroense, o Correio Riograndense e o A Cidade. Outros dois centenários, no entanto, sobrevivem circulando somente em versões impressas e não têm edição na internet: O Taquaryense e o Gazeta de Ouro Fino. Outros dois foram adquiridos pelo poder público: A União e a Tribuna do Norte, o que dá fôlego para continuarem circulando em suas versões impressas no que tange ao custo da produção e impressão.
E outros dois atingiram a marca temporal dos 100 anos no primeiro semestre de 2019: Gazeta do Povo, de Curitiba, Paraná, que, a partir de 1º de junho de 2017, passou de impresso para on-line, mantendo a edição impressa unificada apenas no fim de semana; e o Jornal do Commercio, de Recife, Pernambuco, que se mantém nos suportes papel e o on-line.
Hérica Lene – Consegui realizar 17 entrevistas durante o período do pós-doutorado e todos os depoimentos trataram das dificuldades de continuar atraindo novos leitores, que migram para as plataformas móveis. O que a pesquisa mostra é que, de Norte a Sul do país, o jornal impresso está em crise, inserida na conjuntura da crise geral do negócio de jornalismo.
Os jornais têm buscado valorizar a proximidade na abordagem das notícias em busca de atrair os leitores como um valor-notícia fundamental, além do investimento na plataforma da internet e da busca de canais de interação com seus públicos, para receber demandas dos leitores e sugestões de pauta. Em tempos de globalização instantânea das informações, o local e o regional são valorizados.
Hérica Lene – Os jornais centenários têm muito a ensinar para o jornalismo atual porque a longevidade lhes trouxe tradição e capital simbólico.
Infelizmente, tudo indica que o jornal impresso em papel como principal produto de um modelo de indústria jornalística consolidado no século XX está morrendo. O jornalismo, no entanto, segue necessário e vivo em muitos lugares. Em processo de mutação, jornais assumem novos “corpos” ao migrarem para o suporte digital, sobretudo, os mais longevos e tradicionais.
Nos discursos dos dirigentes dos jornais centenários, a tradição é vista como patrimônio e fortalecimento das marcas e como um elemento importante que contribui, em algum nível, para a manutenção dos periódicos em circulação.